Criar Peles
Os meios são aquilo que produz a relação de continuidade entre espírito e realidade, entre mundo e psiquismo. Segundo Emanuele Coccia, um mundo privado de meios seria um mundo em que os objetos estariam condenados a permanecer em si mesmos. O ser humano é um meio por onde o sensível se manifesta. Viver significa antes de mais nada dar sentido, sensificar o racional, transformar o psíquico em imagem exterior. Isso fica claro na moda, quando, ao nos vestirmos, vivemos o nosso interior através das roupas. Para o filósofo, a roupa não tem apenas uma função de proteção ou de resposta a exigências culturais, mas confere identidade, estabelece marcadores sociais e espirituais. A roupa, incluindo suas formas puramente ornamentais e simbólicas, como maquiagens, joias e cosméticos, é o que nos dá característica como espécie. Ela, através de traços e elementos alheios ao sujeito que as usa (pedaços de tecidos, tintas, metais, etc.) confere personalidade aos seres humanos e se oferece como veículo de subjetividade. “Uma roupa é antes de tudo um corpo, que não coincide com nosso corpo anatômico.”, afirma.
Portanto, vestir-se é criar uma outra pele com o objetivo de nos fazer aparecer. É estar nu fora de si e através de um corpo intermediário. A roupa é uma pele, um corpo estranho que se torna próprio. Um (h)ábito feito de objetos não psicológicos. Habitamos nossa roupa como a parcela de mundo mais quente, imediata e aconchegante. Toda roupa tem algo de uterino, é a primeira das nossas peles criadas, que não são feitas de carne, mas são sustentadas por ela.
Habitamos também nossas peles desencarnadas, nossos costumes, que vão dando materialidade a quem somos. A linguagem, por exemplo, é uma pele móvel, assim como os ritos, as cerimônias, religiosas e políticas. De acordo com Coccia, “O homem é o animal capaz de transformar todas as coisas em pele. Entre o homem e sua pele, há o mundo. Qualquer coisa pode se tornar sua pele, e sua pele pode se tornar qualquer coisa. Elas são nossa ponte com o mundo.
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O que me tira do estado depressivo, o que fixa meus pés no chão e me faz criar raízes nessa terra, são as peles que eu crio para habitar. Eu não habito o mundo, eu habito as minhas peles, que, por consequência, moldam e materializam o meu entorno.
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O sensível não está só na arte, mas no fazer ritualístico, no trabalho diário, nos hábitos de cuidado, em tudo aquilo que é constante e não pode parar, todo esse complexo de medialidades que somos e que movem o mundo e que criam as peles, não só dos seres humanos, mas de todos os seres vivos. Que criam vida.
Eu sou como um espelho quebrado, fragmentado, mas que, mesmo assim, é capaz de entregar sensível. Para que minhas partes não se percam por aí, uso ainda mais sensível, minhas peles, para me conectar, me entrelaçar, simultaneamente, comigo mesma e com o mundo. Elas são o meu Urdume.