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O Sensível e a Roupa



Emanuele Coccia e Alessandro Michele, autores de La Vita delle Forme. Filosofia del Reincanto
Emanuele Coccia e Alessandro Michele, autores de La Vita delle Forme. Filosofia del Reincanto

A função da roupa vai além da funcionalidade do vestuário, ela envolve a forma como nos relacionamos com o mundo e como nos expressamos através da materialidade. As roupas não são apenas artefatos utilitários, mas manifestações de nossa identidade, história e experiência sensorial. Em A Vida Sensível, Emanuele Coccia explora a ideia de que a existência não se limita ao interior do ser, mas se estende aos objetos e meios que nos cercam, tornando o sensível um componente essencial da vida. Já em La Vita delle Forme. Filosofia del Reincanto (sem edição no Brasil), Coccia e Alessandro Michele aprofundam a noção de que a moda não é apenas um reflexo cultural ou social, mas uma linguagem própria, capaz de transformar e ressignificar a forma como habitamos o tempo e o espaço.


"A moda é um meio através do qual a vida se liberta e se reinventa, enquanto a filosofia é o instrumento que permite que o pensamento se manifeste em diversas formas. Assim, uma peça de roupa pode ser tanto um objeto físico quanto um suporte para a expressão de ideias e conceitos."

O conceito de "vida sensível", conforme apresentado por Emanuele Coccia, sugere que os viventes não existem apenas dentro de si, mas também nos meios que os circundam. Dessa forma, roupas, calçados e acessórios são parte fundamental da construção de nossa identidade e expressão. A relação entre moda e filosofia destaca-se nesse contexto. A moda é um meio através do qual a vida se liberta e se reinventa, enquanto a filosofia é o instrumento que permite que o pensamento se manifeste em diversas formas. Assim, uma peça de roupa pode ser tanto um objeto físico quanto um suporte para a expressão de ideias e conceitos. Esse paralelismo entre moda e filosofia desafia preconceitos históricos que separaram as artes mecânicas das artes liberais, uma distinção que marginalizou trabalhos manuais como a costura e a pintura em relação às formas "mais nobres" de expressão intelectual.


A evolução da moda também pode ser compreendida a partir de uma perspectiva histórica. Durante séculos, as roupas refletiram a posição social, o gênero e a profissão dos indivíduos. No entanto, com as transformações sociais e culturais, a vestimenta passou a ser um meio de subversão e experimentação, permitindo que os indivíduos transcendam categorias fixas de identidade. A moda contemporânea possibilita não apenas a autoexpressão, mas também a ressignificação do tempo e da história. O conceito de contemporaneidade abordado por Giorgio Agamben reforça essa ideia, ao destacar que ser verdadeiramente contemporâneo significa não coincidir perfeitamente com o presente, mas sim abrir espaço para novas possibilidades temporais.


O poder de transformação da roupa


Segundo Coccia e Michele, a repetição na moda é um elemento essencial. Ao longo do tempo, as formas e estilos se repetem, mas essa repetição não é meramente cíclica; ela permite a reinvenção e a ressignificação. Criar roupas ou definir um estilo pessoal torna-se, assim, um exercício semelhante à prática de místicos que repetem gestos e palavras até esvaziá-los de significado original, abrindo espaço para novas interpretações.


"Se os animais passam por metamorfoses naturais, os seres humanos fazem isso através das roupas, assumindo novas identidades ao vestir determinadas peças. "

A "troca de pele" é outro aspecto fundamental. A moda possibilita transformações que seriam impossíveis apenas com a biologia. Se os animais passam por metamorfoses naturais, os seres humanos fazem isso através das roupas, assumindo novas identidades ao vestir determinadas peças. Essa dimensão animista da moda permite uma troca simbólica entre o ser e o mundo, criando novas formas de interação e compreensão.


Por fim, a moda pode ser entendida como uma espécie de "medicina sensível", um meio de cura e transformação do ser. Assim como a alquimia buscava a transfiguração dos elementos, a moda oferece a possibilidade de renovação constante da identidade, permitindo que o indivíduo experimente diferentes formas de existir no mundo. Mais do que um instrumento de estética ou consumo, a roupa é apresentada como um espaço de reflexão, liberdade e potencial criativo, reforçando a ideia de que o corpo humano não é apenas um organismo, mas um campo de alianças e significados que se expandem através das vestimentas.


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