Por Gustavo Seraphim
Minha mãe é uma mulher multitarefa, passa todo o tempo resolvendo coisas. Na infância lembro dela tricotando em casa, quieta, com suas mãos ágeis, dedos fortes e grossos. Esse era um dos poucos momentos em que a via parada, sentada e concentrada em apenas um assunto. O tricô era uma prática relativamente comum entre as mulheres da família: avós, tias e primas faziam blusas, meias e toucas para as crianças todos os anos. Obviamente essa prática nunca me foi ensinada, afinal meninos aprendem e brincam com “coisas de meninos”, por isso cresci jogando bola e videogame e brincando com bonequinhos do Comandos em Ação.
Comecei a mexer com as agulhas e lãs com quase quarenta anos, estimulado pelo processo vivido pela minha esposa Estefania com o Fios e Ritos, e pelo incentivo às práticas manuais da escola Waldorf em que nosso filho estuda. Na verdade, os trabalhos manuais que não foram aprendidos e desenvolvidos na infância, floresceram com o nascimento do nosso filho. A paternidade despertou minha versão mais sensível e corajosa (“minha porção mulher”, como diz Gilberto Gil), e tem me permitido usar as habilidades manuais para intervir no mundo de forma poética. Através do desenho, da jardinagem, da marcenaria e do tricô, encontrei maneiras de materializar minha criatividade e expressar amor.
A nossa mudança de São Paulo para Curitiba, há cinco meses, em busca de mais qualidade de vida, fez com que despertasse em mim a vontade de estreitar relações com pessoas queridas agora distantes. Assim, passei a fazer peças de tricô para essas pessoas - prioritariamente amigos homens. Teço as peças para essas pessoas rememorando, de coração aberto durante o tramar dos fios, os momentos vividos, as experiências e os laços criados. Depois de prontas as envio por correio acompanhadas de uma carta com algumas lembranças e palavras de carinho. Nutrindo o afeto que tenho por essas pessoas, sinto um prazer quase libertador em poder expressar meus sentimentos sem nós ou amarras.
Com esses gestos tenho aprendido sobre minha relação de afeto com os homens e percebido como nós temos dificuldade em demonstrar e receber carinho, porque não fomos educados para sermos sensíveis, vulneráveis ou falar sobre o amor. Acredito que exercício das práticas manuais possam ser um caminho para que consigamos aprender, mesmo na vida adulta, a fazer diferente com nossos filhos, permitindo que sejam livres, amorosos e felizes. Eu seguirei aqui tricotando minhas relações, demonstrando meu afeto e carinho pelos homens e mulheres do meu convívio, através das tramas dos fios, em busca de minha porção melhor.
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